Hereditário: Muito mais que um terror sobrenatural (Explicação)
Hereditário
Que filme incrível! Se você não achou, provavelmente também não achou A Bruxa (Robert Eggers) um baita filme. Inclusive já falei desta maravilha aqui no blog, caso não tenha lido, aqui está o link.
Sobre Hereditário, não tenho reclamações, já que sou completamente apaixonada por terror psicológico. Dirigido por Ari Aster, este é um daqueles filmes que certamente dará um nó em seu cérebro. O filme irá terminar e você terá duas opções: Achar bom ou achar ruim. Se você achou ruim, talvez não tenha interpretado de uma maneira válida. Ou, vai ver, não seja o estilo de filme que te satisfaça.
Mas que tal levantarmos algumas questões sobre o filme? Vai que você acabe mudando de ideia? Mas afinal de contas, Hereditário é bom?
[CONTÉM SPOILER]
Todo o terror se inicia após a morte da avó, que permanece como uma sombra sobre a família, e assim coisas estranhas passam a acontecer. Coisas estranhas? Ou seriam apenas situações recorrentes ao luto emocional? Sobrenatural ou hereditário? Estão aí os dois lados da história. Confuso? Então vamos lá!
Logo de início, algumas questões são postas à mesa, questões importantíssimas sobre a família Graham. Questões estas que, se analisadas, explicam o nome do filme, e te dão uma luz na hora de interpretar a história. Todo o histórico de doenças mentais deve ser levado em consideração para se entender os dois lados.
Após a morte de sua mãe, Annie busca um grupo de apoio. Lá ela nos apresenta um histórico familiar bastante assustador. Sua mãe, Ellen, tinha Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), mais conhecido como Transtorno de Dupla Personalidade, hoje sendo uma forma incorreta de se chamar, já que é possível uma pessoa ter centenas de personalidades. Seu pai morreu por inanição decorrente de depressão psicótica, e seu irmão, cometeu suicídio. Mais pra frente voltamos nele.
Quando pensamos sobre todos esses problemas mentais, imaginamos que nesta família, todos eram malucos. Mas de repente o filme te aborda com questões sobrenaturais, um culto em especial, uma seita satânica, da qual Ellen participava. O objetivo: encontrar um corpo masculino para Paimon (um dos oito reis do inferno), para que ele pudesse habitar na Terra.
No decorrer do filme passamos a analisar as personagens presentes, seus comportamentos e ações. Se pensarmos apenas pelo lado sobrenatural, chegaremos à conclusão de que a avó foi a causadora de tudo, ao se envolver em um culto. Já que ela precisava de um homem, e sabemos que seu filho havia cometido suicídio por não suportar mais as vozes que ouvia (esquizofrenia?), momentaneamente Paimon habitava o corpo de Charlie. Curioso, uma garota chamada Charlie. Um nome tanto feminino quanto masculino. Você certamente notou como a avó amava essa neta, não é? Há um diálogo onde Annie afirma ter dado a filha à sua mãe, e nem amamentá-la podia. Apenas uma avó zelando pelo receptáculo de Paimon.
Bem, segue a busca por um corpo masculino, pois Charlie não deveria ser o "corpo" de Paimon. O pai de Charlie não serviria? Não. Ele não era parente consanguíneo (hereditário, lembra?). Mas o irmão de Charlie seria perfeito. E por isso, descobrimos mais tarde que Annie tentou abortá-lo. Então ela sabia de tudo? Podemos dizer que sim, ainda que soubesse apenas em seu subconsciente. Há um flash também onde Annie tenta matar seus dois filhos, num momento de sonambulismo. Mas mesmo com todos estes acontecimentos, tudo passa a acontecer para que Peter (o irmão) seja o receptor. E nada de bom acontece, lógico. A tragédia já está anunciada desde o início do filme. A morte de Charlie, para mim, foi a cena mais forte do filme. Eu realmente não estava preparada para este momento, e convenhamos, que morte.
Okay, o filme acaba e temos mais um filme de terror sobrenatural para a nossa lista, certo? Errado. Ou depende de como você prefere interpretar a história. Se pensarmos que todo o filme foi uma analogia, chegaremos à conclusão de que temos aqui um filme bem família, bem vida cotidiana. Mais especificamente, uma metáfora sobre os problemas da mente.
Temos uma avó que faleceu, temos alguns outros parentes que também já haviam falecido, e todos com distúrbios mentais. Família, hereditário. Nem todas as doenças mentais são patológicas, porém fatores genéticos podem influenciá-las. Temos uma mãe já bastante abalada, mas com razão. Seria possível que Annie sofresse do mesmo transtorno que sua mãe, o TDI. Em diversos momentos temos uma Annie calma e tranquila, fazendo seu trabalho. De repente algo lhe serve de gatilho e ela sofre uma ruptura. Outra personalidade entra em ação e Annie age de forma totalmente diferente, gritando e dizendo coisas para machucar seus familiares. Instantes depois volta ao normal, e inclusive perde algumas memórias. Algo que pode ser caracterizado como Fuga Dissociativa.
Para quem entende sobre o transtorno, ou pra quem já pesquisou sobre, há possibilidades de a pessoa sofrer uma espécie de possessão, nada mais que um espírito, divindade, demônio ou mesmo um animal que toma controle do corpo e suas ações. Isso também terá a ver com a religião e cultura. Coincidência?
Nossa querida Charlie, que parecia ser a personagem principal do filme, era uma garota quieta, sempre em seu canto, nada social, completamente solitária. Depois que a avó morreu, apenas piorou, tendo até visões da falecida. Temos aqui situações decorrentes do trauma. Ah, mas como explicamos psicologicamente a avó ser tão fissurada pela neta? Sabemos que ela perdeu um filho, aquele que se suicidou. E sabemos que ela dizia que gostaria muito que Charlie fosse um menino. Talvez tenha ocorrido uma espécie de ressignificação. Ela viu ali a possibilidade de ter o filho de volta, preencher aquele vazio que se criou ao perdê-lo.
Peter parecia até ser um garoto normal, mas após a morte de Charlie, que morreu no carro junto dele, não havia como manter suas estruturas. Sentia-se culpado, óbvio, e a tensão dentro de casa não ajudava. Claramente sua mãe também o culpava, e isso abalou totalmente o psicológico dele. Veja bem, temos uma família que perdeu uma criança, não há como passar reto por este evento traumático, por este luto emocional. As chances de um trauma como este gerar um distúrbio mental, são grandes demais, ainda mais com um histórico familiar desses. Peter não conseguiu escapar. Sua realidade se transformou em uma completamente diferente.
Mas havia alguém mentalmente normal neste filme? Sim. Steve, o marido de Annie. Foi ele quem notou o início dos surtos da esposa, já que era psicólogo, e tentou manter a calma dentro de casa. A morte da mãe já foi bastante pesada para ela, mas a morte da filha foi o gatilho final. Ele já sabia o que viria. Mas nada conseguiu fazer, pois era apenas o infeliz destino herdado.
E aí, se interessou pelo filme? Mudou de opinião? Deixe seu comentário.
Não gostei de "A Bruxa", mas adorei esse. O que posso fazer?! hahah
ResponderExcluirA análise pela ótica psicológica é o que torna esse filme tão bom, as várias facetas do luto e os distúrbios mentais engatilhados pela dor. Adorei, sem mais.
Nossa, você escreve tão bem. Deveria escrever para a Folha de São Paulo <3
ResponderExcluirOlha, fã, quem sabe um dia, viu? Obrigada pelo carinho. <3
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